Me vesti de alegria para acolher a dor

Você pode estar se perguntando como assim? Que título é esse? Quem consegue se vestir de alegria para acolher a dor do outro.

Me deparei com um atendimento que seria difícil, pelo menos a priori. Escolhi me vestir de colorido, passei o meu perfume habitual e pensei, preciso me vestir de alegria para acolher a dor. Não necessariamente preciso, mas desejo.

Uma mulher, em seu sonho de ser mãe, recebeu seu resultado negativo.

Tantas expectativas. Tantos projetos. Tantos planos.

Inimaginável a dor. Pela não realização dos sonhos, pelo investimento em diversos níveis, pela frustração do próprio desejo e do desejo do outro. E tantos outros esperavam essa gestação! Pela impossibilidade momentânea de ser mãe, de ter sua filha ou seu filho, primeiro no ventre e depois nos braços.

Inimaginável a dor, porém dizível, não em sua inteireza, mas na parcialidade que um encontro psicoterapêutico é capaz de abarcar.

E dizer da dor, acalanta o coração, acalma a alma triste, dissolve alguns pontos endurecidos.

Nesse encontro a se realizar, há uma potência. De poder gritar, de poder chorar, de poder sorrir de nervoso ou de alegria? Sim, de alegria. Não essa alegria fugaz do momento engraçado, da risada com a amiga, ou da piada do palhaço. Uma alegria genuína e muito importante por sinal. Mas de uma alegria de ter vivido o que se tinha para viver, de ter se atirado ao imprevisível, de ter tentado, de ter feito o seu melhor.

Não sei se essa alegria vai surgir desse encontro, talvez não. Talvez a dor seja maior.

Mas, ainda assim, eu tinha duas opções, me vestir de tristeza ou me vestir de alegria. Como nos diz Espinosa, somos afetados por paixões tristes e paixões alegres. As primeiras nos oprimem, nos despotencializam. As segundas, ampliam a nossa potência, nos expandem.

E escolhi me vestir dessa alegria, que não é riso do outro, que não é subestimar a dor. Mas que diz: estou aqui contigo. Pode me contar o que quiser, pode ser você na sua dor, e com o tempo, pode se refazer. E podemos nos refazer juntas. Sim, por que me refaço também a cada encontro. Essa é a arte da psicoterapia.

Por Ana Flávia Sales